Política e religião nas eleições de 2016

05/06/2017

Prof. Dr. Carlos André Silva de Moura

Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade de Pernambuco (UPE)

Coordenador do Laboratório de Estudos da História das Religiões (LEHR)


"Em nome de Deus, da família e da moral". Foi com este discurso que parte dos prefeitos e vereadores assumiu a legislatura de 2017 - 2020 nas principais cidades do Brasil. Eleitores de municípios como o Rio de Janeiro (RJ), Olinda (PE) e Jaboatão dos Guararapes (PE) elegeram representantes ligados a diversas igrejas para conduzir as suas prefeituras e integrar as câmaras municipais nos próximos quatro anos. Segundo um levantamento realizado pela revista Veja, para as eleições de outubro de 2016 nas capitais brasileiras, foram registradas 250 candidaturas de políticos que alinharam os seus discursos às funções eclesiásticas e ao pleito eleitoral.

Os números da pesquisa indicam que entre os candidatos que se apresentaram como representantes eclesiásticos foram contabilizados 195 pastores, 33 missionários, 14 bispos, 07 apóstolos e 01 presbítero. As suas funções estiveram registradas nas mais diversas formas de propaganda, como nos "santinhos", nos adesivos e nas camisas que circularam durante o período de propaganda eleitoral. Durante o pleito de 2016, a Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (CONCEPAB), instituição criada em 2009 que reúne pastores de diferentes denominações, acompanhou ao menos 100 candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador, com a grande maioria ligada à Igreja Universal do Reino de Deus e à Assembleia de Deus. O objetivo dos representantes da CONCEPAB era eleger 60% dos seus apoiados, com um plano político de fortalecimento das causas religiosas.

É importante lembrar que os projetos políticos dos evangélicos se fortaleceram a partir dos anos de 1990, com grande expansão a partir das eleições de 2002, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) se aproximou dos grupos religiosos como meio para ampliar o dialogo com os setores empresariais e legitimar as suas propostas. Além da aliança partidária na esfera executiva, os religiosos registraram um aumento considerável nos assentos do legislativo de todo o país.

Fonte: CAMPOS, João Pedro. Nas Capitais, 250 candidatos vêm de templos evangélicos. Revista Veja. Disponível em  Acesso em 04 jan. 2017.
Fonte: CAMPOS, João Pedro. Nas Capitais, 250 candidatos vêm de templos evangélicos. Revista Veja. Disponível em <https://veja.abril.com.br/politica/nas-capitais-250-candidatos-vem-de-templos-evangelicos/> Acesso em 04 jan. 2017.

O projeto do Conselho de Pastores do Brasil já se demonstrou vitorioso nas eleições majoritárias de 2010, ano em que o debate político foi marcado pelo discurso religioso, sobretudo, em torno da legalização do aborto. Neste instante, deve-se lembrar da ascensão política da candidata a presidente Marina Silva, vista por parte dos eleitores como a principal representante do discurso cristão. A inserção da candidata entre os evangélicos foram mais efetivas se comparadas a outros políticos com tal discurso, como José Maria Eymael, Anthony Garotinho ou o Pastor Everaldo em eleições desde a redemocratização do Brasil.

Os números alcançados pelos evangélicos nas eleições de 2010 representaram uma resposta à perda de espaço no cenário legislativo nacional em 2006, quando a chama "frente parlamentar evangélica" sofreu uma grande redução em seus números. O crescimento também foi percebido no pleito de 2014, quando os religiosos passaram a representar mais de 15% das cadeiras na câmara dos deputados.

Início da legislatura Número de deputados da "frente parlamentar evangélica"

2002-                                   65

2006-                                   42

2010 -                                   63

2014 -                                   80

Nas eleições municipais de 2016, entre as disputas que envolveram os representantes das mais diversas correntes eclesiásticas, percebemos o destaque que a mídia apresentou ao pleito na cidade do Rio de Janeiro, entre o senador e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella (PRB), e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Eleito com 59,36% dos votos, o senador Marcelo Crivella recebeu maior adesão na região da periferia, entre a camada mais pobre e com menor escolaridade, enquanto o seu adversário conseguiu mais adeptos na parte central do Rio de Janeiro, dos mais escolarizados e de grupos de intelectuais.

A conquista eleitoral do senador e bispo Marcelo Crivella, assim como, dos vários outros religiosos neopentecostais que foram candidatos no Brasil, reflete a força de um discurso eclesiástico no cenário nacional. Na construção das plataformas políticas, as propostas dos representantes das igrejas são acompanhadas por uma forte construção simbólica, com a tradução das ideias de uma instituição e de um pensamento religioso, principalmente quando observamos a inserção das ideias neopentecostais nas periferias das grandes cidades do Brasil.

A legitimação do discurso religioso no cenário eleitoral atual também demonstra a falta de confiança na política partidária, nas propostas oriundas do legislativo e do executivo ou em uma mudança a partir da via representativa. Tais discussões são substituídas por possíveis resoluções divinas para as crises na economia, na saúde e na segurança pública. Parte do discurso eleitoral, construído por representantes evangélicos no século XXI, contribuiu para a elaboração do sentimento de posse aos cargos públicos, pois "onde Deus coloca o homem não pode tirar".

A conquista do bispo da IURD no Rio de Janeiro efetivou um projeto da instituição para a acessão aos cargos executivos em diversas cidades. Com uma plataforma política já consolidada no legislativo, a Igreja Universal do Reino de Deus já possui vários representantes no Congresso Nacional, nas assembleias estaduais e nas câmaras municipais. É importante destacar que entre 2003 e 2010, o vice-presidente da república, o católico José Alencar, era filiado ao PL e PRB respectivamente, partidos com estreitas ligações a IURD. Nas eleições de 2016, o PRB conquistou um crescimento de 33% em relação ao seu desempenho em 2012, com a eleição de 106 prefeitos em todo o Brasil.

A partir de uma leitura com base na história das religiões, principalmente com abordagens que não descuidam dos aspectos culturais, sociais e político, percebe-se a constante utilização do religioso para a legitimação de uma proposta política. As ideias têm como base a manutenção da "família tradicional", a exemplo do projeto do "Estatuto da Família" (PL 6583/13), elaborado pelo então deputado federal Anderson Ferreira (PR - PE), eleito em 2016 prefeito da cidade de Jaboatão dos Guararapes, manifestações públicas com características de devoção privada, como a entrega da chave da cidade a Deus, ato realizado por Jairo Magalhães (PSB - BA), prefeito da cidade de Guanambi (BA), intervenção nos conteúdos programáticos e nas propostas pedagógicas da educação básica, como o projeto da "Escola sem partido" (PLS 193/2016), dentre outros temas fundamentais para a condução da vida cotidiana nas cidades.

Além da estrutura que os partidos oferecem aos diversos candidatos com chances de vitória, vários representantes religiosos, sobretudo, os membros das instituições neopentecostais, possuem um padrão de propaganda com horários nobres em "canais abertos", programas de rádio, jornais, mídias digitais, além do discurso oriundo dos púlpitos de várias igrejas. Parte dos recursos utilizados nas campanhas é originário das ofertas dos fiéis ou das organizações que representam as lideranças religiosas, fundamental para a manutenção da propaganda em espaços distantes dos principais centros urbanos.

Independente da plataforma que defenderam durante a campanha, os políticos que tomaram posse no primeiro dia de 2017 governarão para uma sociedade plural e precisarão debater os mais diversos assuntos com todos os grupos sociais, como a elaboração de políticas públicas para as causas LGBT, o ensino plural na educação básica, a violência contra as mulheres, a organização das festividades carnavalescas, principalmente em cidades como o Rio de Janeiro (RJ) e Olinda (PE), que possuem esta festa como um dos principais atrativos turísticos para a geração de renda, dentre outros temas que possam ir de encontro aos seus ensinamentos eclesiásticos. No entanto, deve-se lembrar de que as conquistas das correntes evangélicas também aconteceram no legislativo, questão fundamental para a vida política de qualquer prefeito, governador ou presidente, independente da denominação ou da bandeira partidária.

Sugestões para leitura:

CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos, política y elecciones en Brasil durante la primera década del siglo XXI. Horizonte: Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião (Online), v. 11, 2012. p. 123 - 170.

CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado - organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997.

COUTROT, Aline. Religião e Política. In. REMOND, René (Org.). Por uma História Política. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 331 - 363. edit...

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