As Mulheres e a Reforma Protestante.
Por Margarida Ribeiro[i]
Em geral, quando trazemos à memória a Reforma Protestante, lembramo-nos imediatamente de Martim Lutero e dos demais reformadores. Eis a pergunta que "não quer calar": E as mulheres? Qual a presença das mulheres nesse contexto da Reforma Protestante? Iniciemos esta trajetória com Katharina von Bora. Ela nasceu em 29 de janeiro de 1499 e aos cinco anos foi levada pelo seu pai, então viúvo e com dificuldades financeiras, ao Convento Beneditino localizado em Brehna. Em 1508, a família de Katharina transferiu-a para o Mosteiro em Nimbschen, onde encontrava-se a sua tia Magdalena von Bora. Quanto à vida cotidiana no mosteiro, consistia em orar, silenciar, viver em clausura, pobreza e obediência absoluta, intercalada por trabalhos, cantos e meditações. Aprendia-se a ler, escrever e iniciação na língua latina.
Katharina foi ordenada monja aos 15 anos (1514), e aos 18 anos (1517) ela "ficou entusiasmada com os escritos de Lutero", especialmente no que diz respeito a teologia luterana que apregoava a justificação pela fé, não sendo mais necessárias as obras e os sacrifícios para alcançar a salvação. Então, ela e mais onze monjas decidiram fugir do convento. E na madrugada da Páscoa do ano de 1523, elas foram conduzidas até a cidade de Torgau, em tonéis utilizados para transportar peixes. No caminho, passaram por Grimma e ali permaneceram três monjas, as demais seguiram viagem até Wittenberg, onde Lutero solicitou ajuda para acolhê-las.

Após "encontros e desencontros" Khatarina casou-se com Lutero no dia 13 de Junho de 1525; eles foram morar em Schwarzes Kloster, local que anteriormente era destinado aos monges agostinianos, e tiveram três filhas e três filhos, Johannes Luther, Elizabeth, Magdalena, Martin Luther Jr., Paul Luther e Margarete Luther. É importante ressaltar que a residência não abrigava meramente Katharina, Lutero e os/as filhos/as, mas também estudantes, pessoas foragidas, crianças órfãs e outros.
Reily descreve em seu livro que Khatarina "emerge como uma mulher de caráter e coragem, de bom senso, não sentimental "cabeça dura", meiga resoluta (...) Ela discutiu com seu próprio marido os assuntos da Reforma e o apoiou nos seus esforços polêmicos. Mas a arena pública não foi bem a sua esfera. Sua contribuição à Reforma não deve ser desprezada por isso" (REILY, 1997, p. 163).
É importante destacar que Lutero dialogava constantemente com Khatarina sobre a Reforma. Portanto, é necessário resgatar a trajetória de Khatarina von Bora, pois ela marcou a história e continuou firme e resoluta até sua morte em 1552.
Nesses caminhos da Reforma também encontramos Catarina Schultz Zell. Convertida pela leitura de Lutero, casou-se com o sacerdote Mateus Zell, em 1523, pelo que este logo sofreu excomunhão. Catarina escreveu ao Bispo que excomungou o seu marido com uma defesa tão enérgica que, após apelação, Mateus Zell e mais seis sacerdotes foram absolvidos; mas o Conselho de Estrasburgo proibiu futuras cartas como aquela que Catarina enviou ao Bispo.
Ela recebeu em sua casa líderes da Reforma, como João Calvino, também acolheu pessoas flageladas e por cerca de três semanas providenciou abrigo para aproximadamente oitenta refugiados.
Catarina também escreveu uma carta, posteriormente publicada como tratado, encorajando as mulheres dos fugitivos, deixadas em Kinsingen, a permanecerem firmes na fé.
Quanto à ação junto aos encarcerados, ela visitou o magistrado Felix Ambrosiaster (banido da cidade devido a lepra) e preparou comentários sobre os Salmos 51 e 130, oração dominical e o credo; esses estudos foram posteriormente publicados.
Quando ela internou um sobrinho em um hospital para tratamento da sífilis chegou a morar no hospital para melhor atendê-lo; horrorizada pelas condições desumanas do hospital, escreveu ao Conselho da cidade uma carta que resultou em sensíveis reformas na instituição.
Catarina marcou a história, acolhendo muitas pessoas, sendo solidária e escrevendo diversos textos e cartas, atividades que desempenhou até sua morte em 1562.
Há muitas outras mulheres, como Marie Dentière, oriunda de Genebra, pregadora e escritora. Ela escreveu vários textos: "Reforma genebrina entre 1504 a 1536", "Defesa das mulheres e uma carta útil" (1539); também escreveu duas cartas à rainha Marguerite de Navarra, nas quais destaca-se o enunciado: "E quanto à ordem de Jesus para as mulheres que testemunharam sua ressurreição: Se Deus deu então a graça a algumas boas mulheres, revelando-lhes, pelas Santas Escrituras, algo santo e bom, não ousariam elas escrever, falar e declará-lo uma à outra? Ah! seria uma audácia pretender impedi-las de fazê-lo. Quanto a nós, seria uma tolice esconder o talento que Deus deu".
Rachel Specht, calvinista inglesa. No ano de 1621, utilizando-se da parábola dos talentos, escreveu: "Se Deus concedeu corpo, alma e espírito às mulheres, por que Ele daria todos estes talentos, se não para serem usados? - indagou. Não usá-los seria uma irresponsabilidade". Rachel escrevia poesias e não utilizava pseudônimo mas seu próprio nome.
Argula von Grumbach, oriunda de família nobre. Aos dez anos recebeu uma Bíblia do pai dela e já começou a estudar, ela foi considerada a primeira escritora protestante, escreveu cartas e panfletos defendendo os ideais da Reforma Protestante.
Há muitas outras mulheres que participaram ativamente da Reforma Protestante. Quiçá nas Igrejas e na sociedade ocorram reformas..., sem acepção de pessoas, com dignidade, justiça e paz. Pois, Ecclesia reformata et semper reformanda est.
DALFERTH, Heloísa Gralow. Katharina von Bora: uma bibliografia. São Leopoldo: Sinodal, 2000.
REILY, Duncan Alexander. Ministérios femininos em perspectiva histórica. 2. ed. São Paulo: Editeo; CEBEP, 1997.
https://www.luteranos.com.br/textos/mulheres-na-reforma
www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/view/6846
https://www.cebi.org.br/_print.php?type=news&id=2482
https://www.ihu.unisinos.br/noticias/502383
REFERÊNCIAS DAS IMAGENS:
Figura 1: Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Katharina-v-Bora-1526.jpg. Publicada em: 26 set. 2016. Acesso: 07/11/2017.

[i] Pastora metodista. Doutora (2008) e Mestre (2003) em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo - UMESP. Graduada em Teologia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista (1989). Licenciatura plena em Filosofia pela Unijuí (1995). Concentra suas pesquisas e atuação docente em: Ecumenismo, Antropologia Teológica e História de Mulheres (historiografia). É coordenadora do Programa de Extensão da Faculdade de Teologia, do Centro Otília Chaves e do Programa Sol Andino (Solidariedade com a América Andina).
CURRÍCULO LATTES: https://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4550368T4