Divulgação científica

A Morte da Linguagem: Espaço Religioso, Imigração e Solidariedade Humana em uma Era de Divisão. 


Tradução de Vanessa Rodrigues Valério.

Revisão de Mairon Valério.


Dr. Man-Hei Yip é atualmente uma pesquisadora visitante no Center for Global Christianity and Mission, Escola de Teologia da Universidade de Boston.



"Nós não estávamos em sua lista", um membro da igreja respirou aliviado enquanto as pessoas conversavam no hall da irmandade após um serviço de louvor, e demonstrou preocupação com a controvérsia dos "países de m***da". "Poderia ter sido conosco", um outro comentou ao relembrar o horror das leis antichineses nos Estados Unidos no século passado. A discussão sobre as palavras profanas do Presidente Trump focou na ofensa causada às pessoas no Haiti e em todas as nações africanas. Isto é compreensível, já que as palavras depreciativas se referiam a eles, aparentemente os mais gravemente afetados. A classificação grosseira do presidente sobre esses países reduziu a coisas desprezíveis os seres humanos que vivem ou vêm de lá. Entretanto, qualquer comentário racista que foque em imigrantes específicos também gera um efeito cascata em outras comunidades em todo o país.

Uma reflexão sobre a vulgaridade surge no momento em que a necessidade de repensar a narrativa popular dos imigrantes é muito necessária. Não vou citar aqui todas as palavras vulgares de Trump. Estou mais interessada em como uma determinada comunidade de fé, uma igreja imigrante chinesa em Boston, encontra esperança mesmo em plena morte da linguagem. A religião, como forma de produção de sentido, proporciona uma oportunidade de transcender a dor e o sofrimento de alguém quando conectado ao Divino. O que torna esse caso especial é a ênfase nos atos da fala dentro das comunidades. O uso da linguagem na igreja chinesa esclarece como os espaços religiosos conectam as pessoas, atendem às necessidades psicológicas dos imigrantes e ajudam a negociar suas identidades. Mais do que isso, a ênfase da comunidade na fala e no comportamento apropriado também aprofunda o significado de espaço religioso que prevê caminhos transformadores em direção à solidariedade humana.

O presidente pode ter negado que usou uma linguagem ofensiva, mas muitos que estavam presentes na ocasião afirmaram o contrário. Trump, desde então, tem declarado que "respeita profundamente" o povo africano. Ao perceber a vulgaridade de sua linguagem, suas explicações já não faziam mais sentido. A linguagem já estava morta.

Como pode a mente humana tornar-se uma fábrica de mentiras? Palavras são enganadoras. Em seu romance distópico, "1984", George Orwell já dizia que "a mentira se tornou a verdade". Quando a realidade distorcida de alguém é imposta ao outro, vale tudo. Quando não há troca de informação e sequer o mínimo esforço para entender os sentimentos e experiências por trás da informação, qual o propósito da comunicação? O que resta? As palavras tornam-se baixas porque perdem seu caráter dominante. Essas palavras não significam nada além do vazio da linguagem e desrespeito implícito com quem se está falando. Desonestidade, desconfiança e egoísmo não apenas criam conflitos, mas também destroem relações. A linguagem morta divide.

Enfrentando uma cultura caracterizada pela desconfiança, algumas pessoas optam por embarcar em um jejum de mídia social. Elas começaram esse tipo específico de jornada desde que Trump foi eleito. Não querem ficar deprimidas com as notícias, preferem enterrar suas cabeças na areia. Enquanto essas pessoas se dão ao luxo de se manter ignorantes quanto ao que a atual administração está fazendo e a como isso afeta as pessoas em todo o país e ao redor do mundo, os imigrantes não podem. Esses imigrantes que estão nos Estados Unidos têm que prestar muita atenção à todas as principais notícias, em particular, às relacionadas à imigração e deportação. Qualquer revisão da política governamental é realmente uma questão de vida ou morte. Diariamente, eles têm que aprender a lidar com a humilhação de passar por um departamento de imigração imprevisível e frequentemente agressivo.

A maioria das pessoas com quem falei têm formação acadêmica e estão buscando por uma qualidade de vida melhor nos Estados Unidos. Esses imigrantes trabalham duro. Uma pessoa do grupo, que trabalha no setor financeiro, diz estar sempre sentindo a necessidade de superar os outros para ser notada e reconhecida. Está muito sobrecarregada de trabalho, e constantemente tem dores no peito causadas por stress e ansiedade. Expectativas irreais colocam esses imigrantes em risco de esgotamento. Muitos deles estão tentando lidar com a complexidade do medo, da culpa e da vergonha. O fardo que vem com o rótulo de imigrante é geralmente indescritível. Nenhuma palavra pode descrever, de forma verdadeira e plena o quanto essa linguagem dolorosa e desrespeitosa afetou esses indivíduos e comunidades invisíveis.

Quando perguntado, o que o motiva a adorar nesse lugar? Alguém diz: "A fé". Um outro rapidamente acrescenta: "Não me sinto ameaçado aqui. Eu confio que essa comunidade não me fará nenhum mal". Carol (nome fictício) respondeu: "Eu não tenho que fingir ser alguém que não sou. As pessoas tratam umas às outras com bondade". Carol se mudou para os EUA há mais de trinta anos, e é um membro ativo na comunidade mais ampla. Ela está preocupada com a integridade do líder religioso. Se os lideres falharem ao não agir de acordo com suas palavras, ninguém os seguirá. A igreja tem que encarnar a mensagem de amor. Carol só pode contar com a comunidade que realmente se importa com o outro. Estas respostas foram intrigantes. Louvar a Deus é o principal motivo para essas pessoas virem à igreja todo domingo, mas elas também levam a sério o modo como são tratadas na casa de louvor. O ato da fala da comunidade pode testificar a credibilidade da religião e suas crenças religiosas.

Para compreendermos como a confiança se torna central na vida espiritual de uma pessoa no contexto das comunidades religiosas de imigrantes, precisamos saber o que as essas pessoas entendem por confiança. O símbolo chinês para confiança é xin (信), que é formado por dois componentes, pessoa (ren - 人) e palavra ou linguagem (yan - 言). Literalmente, a palavra de uma pessoa significa confiança. Palavra e confiança são inseparáveis. O provérbio popular diz: A palavra de uma pessoa vale (ren yan wei xin). Além disso, palavra e atitude estão relacionadas à confiança. Quando uma pessoa cumpre sua promessa, se torna confiável. As pessoas têm confiança e segurança em quem honra as palavras ditas.

Confiança e credibilidade são fundamentais para as comunidades marginalizadas. De acordo com o entendimento chinês, construir confiança significa construir uma relação. Em uma relação de confiança, palavras afirmam a dignidade do outro, tornam-se sagradas, não menosprezam o outro para ganho pessoal. Quando uma pessoa honra sua palavra ela está interessada no bem-estar do outro. Ser confiável torna a relação sagrada porque as palavras se tornam invioláveis.

O comentário: "Eu encontro confiança nesta comunidade" tem múltiplas camadas de significados. Inclui a ideia de que a igreja não é um prédio. Dentro dela, e também além de suas quatro paredes, ela oferece um espaço onde as pessoas podem experimentar sentimentos de segurança. As pessoas são aceitas como elas são, encontram simpatia e solidariedade na igreja, porque os outros também experimentaram as mesmas dificuldades e discriminações. Elas descobrem que todos se sentiram sozinhos no começo. A igreja é um lugar para compreender e ser compreendido. As pessoas são confiáveis. Um deseja ser o guardião do outro. Esse tipo de relação permite o crescimento e o florescimento humano. Nesse espaço específico de significados, o que as pessoas dizem ou fazem exemplifica como a religião interage com as identidades imigrantes. Enquanto isso, suas percepções de confiança e credibilidade reformulam o caráter do espaço religioso. Esses imigrantes chineses ajudam a religião a encontrar novos padrões de expressões como abraçar as diferenças, cultivar a reciprocidade, e lutar por justiça contra as correntes de hostilidade e discriminação da sociedade mais ampla.

Em The Location of Culture (2004), Homi Bhabha observou que o espaço contestado é "o momento de transição onde espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, dentro e fora, inclusão e exclusão. Pois existe uma sensação de desorientação, uma perturbação de direção". Em uma entrevista com Jonathan Ruthford, Bhabha descreveu " o 'terceiro espaço' que permite que outras posições surjam. Esse terceiro espaço desloca as histórias que o constitui e estabelece novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas, que são inadequadamente compreendidas por meio da sabedoria recebida". Nesse sentido, o espaço religioso é uma forma de resistência que rejeita a hegemonia e o preconceito sistêmico. Ele revela, questiona, e envergonha as retóricas e narrativas públicas que buscam desumanizar os imigrantes.

Ignorar as declarações problemáticas está longe de ser o suficiente. O problema não é a falta de informação que leva a uma opinião imprecisa do outro. Geralmente é mais fácil diferenciar indivíduos e comunidades do que falar bem deles. Edward Said (1978) afirmou que fazer uma declaração sobre o outro tem a ver com poder e autoridade. O discurso da diferença, em termos de cor de pele, etnia, língua, cultura e afins, funções para subjugar. Falar é basicamente uma questão de seleção. Não existe coincidência quando determinadas perspectivas prevalecem e outras são silenciadas.

Ao contrário da prática de classificação, construir um espaço religioso representa um comprometimento radical com o bem-estar das comunidades imigrantes. Estigmatizar os imigrantes só gera mal-entendido e conflitos em níveis nacional e global. Discursos de intolerância nunca ajudam as pessoas a enxergar familiaridade, apenas divisão. O mundo precisa de cura. A religião prevê um modo mais responsável de se relacionar com o outro. Nesse espaço, a credibilidade é o elemento chave. Ser confiável revitaliza o modo como nos comunicamos com o outro. Cada ser humano tem seu valor intrínseco, e deve ser tratado com respeito. Não se deve falar mal de outras comunidades ou depreciar o outro, mas honrar o compromisso feito com ele. Cada palavra vale. Quando nossas palavras constroem um outro, reconhecendo nele seus talentos e dons, elas carregam um peso.

Como uma virtude importante, a confiança abre novos caminhos para ser humano e cultivar a personalidade. A honestidade e a sinceridade que acompanham a confiança carregam intenções verdadeiras. Aprende-se a conter o julgamento. As pessoas conseguem vivenciar os sentimentos do outro e passam a se importar com o sofrimento alheio. Dar espaço ao outro e ouvir sua dor pode fortalecer as relações humanas. Os indivíduos e as comunidades que apreciam a confiança sempre colocam o outro antes de si mesmos. Assim, o espaço religioso proporciona um caminho para a solidariedade humana. Solidariedade não é resolver os problemas do outro. Em Solidarity Ethics, Rebecca Todd Peters (2014) argumenta que a solidariedade vai além de mostrar compaixão ao sofrimento, buscando justiça e igualdade. As comunidades religiosas que defendem a dignidade humana nunca se cansam de buscar justiça e, portanto, expressam implacavelmente as preocupações das pessoas.

Em um mundo altamente polarizado e divisível, uma única palavra pode ferir ou curar indivíduos. O espaço religioso oferece uma perspectiva para abraçar o quebrantamento que permite que as comunidades marginalizadas estabeleçam sua agência e subjetividade. As interações entre as comunidades imigrantes chinesas também demonstram como a confiança e a credibilidade podem recuperar a inviolabilidade da linguagem e tornar as relações sagradas novamente. Honrar o comprometimento com a bondade e com o outro é um passo necessário em direção à solidariedade humana. Como Ursula K.Le Guin (2004) pode dizer, "Palavras são eventos, elas fazem coisas, mudam coisas."



Man-Hei Yip é uma pesquisadora visitante do Center for Global Christianity and Mission, Boston University School of Theology. Possui PhD em Missiologia pelo The Lutheran Theological Seminary at Philadelphia. Lecionou um curso online na Global Christologies para o Wartburg Theological Seminary. Man-Hei escreve resenhas de livros e artigos para Currents in Theology and Mission, e serve o Editorial Council of Dialog: A Journal of Theology.

Contact email: mhyip@bu.edu


Sugestões de leitura:

Irigaray, Luce. "When Our Lips Speak Together". Signs VI (1980): 69-79.

Searle, John. Making the Social World: The Structure of Human Civilization. Oxford University Press, 2010.


Pier Paolo Pasolini nacque a Bologna il 5 marzo 1922. Morì a Roma, vittima di un probabile omicidio nel 1975. Il suo percorso è stato complesso e plurale: poeta, scrittore, regista, giornalista, traduttore, saggista, tra altri ruoli assunti durante la sua vita. L'attualità dei suoi scritti e discorsi l'ha trasformato in una sorta di "profeta" della...

Margaret Flory foi nomeada diretora do novo Escritório para Trabalho Estudantil da Junta Presbiteriana de Missões nos EUA, em 1951. Ela sabia desde o início que precisava ajudar a encontrar um novo modelo de missão com base na reciprocidade. Isso fazia parte de um esforço mais amplo. Dentro de alguns anos, a Junta de Missões foi substituída por uma...

Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora