"Nós não estávamos em sua lista", um membro da
igreja respirou aliviado enquanto as pessoas conversavam no hall da irmandade
após um serviço de louvor, e demonstrou preocupação com a controvérsia dos
"países de m***da". "Poderia ter sido conosco", um outro comentou ao relembrar o
horror das leis antichineses nos Estados Unidos no século passado. A discussão
sobre as palavras profanas do Presidente Trump focou na ofensa causada às
pessoas no Haiti e em todas as nações africanas. Isto é compreensível, já que
as palavras depreciativas se referiam a eles, aparentemente os mais gravemente
afetados. A classificação grosseira do presidente sobre esses países reduziu a
coisas desprezíveis os seres humanos que vivem ou vêm de lá. Entretanto,
qualquer comentário racista que foque em imigrantes específicos também gera um
efeito cascata em outras comunidades em todo o país.
Uma reflexão sobre a vulgaridade surge no momento em
que a necessidade de repensar a narrativa popular dos imigrantes é muito
necessária. Não vou citar aqui todas as palavras vulgares de Trump. Estou mais
interessada em como uma determinada comunidade de fé, uma igreja imigrante
chinesa em Boston, encontra esperança mesmo em plena morte da linguagem. A
religião, como forma de produção de sentido, proporciona uma oportunidade de
transcender a dor e o sofrimento de alguém quando conectado ao Divino. O que torna esse caso especial é a ênfase nos
atos da fala dentro das comunidades. O uso da linguagem na igreja chinesa
esclarece como os espaços religiosos conectam as pessoas, atendem às
necessidades psicológicas dos imigrantes e ajudam a negociar suas identidades. Mais
do que isso, a ênfase da comunidade na fala e no comportamento apropriado também
aprofunda o significado de espaço religioso que prevê caminhos transformadores
em direção à solidariedade humana.
O presidente pode ter negado que usou uma linguagem
ofensiva, mas muitos que estavam presentes na ocasião afirmaram o contrário. Trump,
desde então, tem declarado que "respeita profundamente" o povo africano. Ao perceber a vulgaridade de sua linguagem,
suas explicações já não faziam mais sentido. A linguagem já estava morta.
Como pode a mente humana tornar-se uma fábrica de
mentiras? Palavras são enganadoras. Em seu romance distópico, "1984", George
Orwell já dizia que "a mentira se tornou a verdade". Quando a realidade distorcida
de alguém é imposta ao outro, vale tudo. Quando não há troca de informação e
sequer o mínimo esforço para entender os sentimentos e experiências por trás da
informação, qual o propósito da comunicação? O que resta? As palavras tornam-se
baixas porque perdem seu caráter dominante. Essas palavras não significam nada além do vazio
da linguagem e desrespeito implícito com quem se está falando. Desonestidade,
desconfiança e egoísmo não apenas criam conflitos, mas também destroem
relações. A linguagem morta divide.
Enfrentando uma cultura caracterizada pela
desconfiança, algumas pessoas optam por embarcar em um jejum
de mídia social. Elas começaram esse tipo específico de jornada desde que Trump
foi eleito. Não querem ficar deprimidas com as notícias, preferem enterrar suas
cabeças na areia. Enquanto essas pessoas se dão ao luxo de se manter ignorantes
quanto ao que a atual administração está fazendo e a como isso afeta as pessoas
em todo o país e ao redor do mundo, os imigrantes não podem. Esses imigrantes
que estão nos Estados Unidos têm que prestar muita atenção à todas as
principais notícias, em particular, às relacionadas à imigração e deportação. Qualquer
revisão da política governamental é realmente uma questão de vida ou morte. Diariamente,
eles têm que aprender a lidar com a humilhação de passar por um departamento de
imigração imprevisível e frequentemente agressivo.
A maioria das pessoas com quem falei têm formação
acadêmica e estão buscando por uma qualidade de vida melhor nos Estados Unidos.
Esses imigrantes trabalham duro. Uma pessoa do grupo, que trabalha no setor
financeiro, diz estar sempre sentindo a necessidade de superar os outros para ser
notada e reconhecida. Está muito sobrecarregada de trabalho, e constantemente
tem dores no peito causadas por stress e ansiedade. Expectativas irreais colocam esses imigrantes
em risco de esgotamento. Muitos deles estão tentando lidar com a complexidade
do medo, da culpa e da vergonha. O fardo que vem com o rótulo de imigrante é
geralmente indescritível. Nenhuma palavra pode descrever, de forma verdadeira e
plena o quanto essa linguagem dolorosa e desrespeitosa afetou esses indivíduos
e comunidades invisíveis.
Quando perguntado, o que o motiva a adorar nesse
lugar? Alguém diz: "A fé". Um outro rapidamente acrescenta: "Não me sinto
ameaçado aqui. Eu confio que essa comunidade não me fará nenhum mal". Carol (nome
fictício) respondeu: "Eu não tenho que fingir ser alguém que não sou. As
pessoas tratam umas às outras com bondade". Carol se mudou para os EUA há mais
de trinta anos, e é um membro ativo na comunidade mais ampla. Ela está
preocupada com a integridade do líder religioso. Se os lideres falharem ao não agir de acordo
com suas palavras, ninguém os seguirá. A igreja tem que encarnar a mensagem de
amor. Carol só pode contar com a comunidade que realmente se importa com o
outro. Estas respostas foram intrigantes. Louvar a Deus é o principal motivo
para essas pessoas virem à igreja todo domingo, mas elas também levam a sério o
modo como são tratadas na casa de louvor. O ato da fala da comunidade pode testificar a
credibilidade da religião e suas crenças religiosas.
Para compreendermos como a confiança se torna
central na vida espiritual de uma pessoa no contexto das comunidades religiosas
de imigrantes, precisamos saber o que as essas pessoas entendem por confiança.
O símbolo chinês para confiança é xin
(信), que é formado por dois componentes,
pessoa (ren - 人) e palavra ou linguagem (yan - 言). Literalmente, a palavra
de uma pessoa significa confiança. Palavra e confiança são inseparáveis. O
provérbio popular diz: A palavra de uma pessoa vale (ren yan wei xin). Além disso, palavra e atitude estão relacionadas
à confiança. Quando uma pessoa cumpre sua promessa, se torna confiável. As
pessoas têm confiança e segurança em quem honra as palavras ditas.
Confiança e credibilidade são fundamentais para as
comunidades marginalizadas. De acordo com o entendimento chinês, construir
confiança significa construir uma relação. Em uma relação de confiança,
palavras afirmam a dignidade do outro, tornam-se sagradas, não menosprezam o
outro para ganho pessoal. Quando uma pessoa honra sua palavra ela está
interessada no bem-estar do outro. Ser confiável torna a relação sagrada porque
as palavras se tornam invioláveis.
O comentário: "Eu encontro confiança nesta
comunidade" tem múltiplas camadas de significados. Inclui a ideia de que a
igreja não é um prédio. Dentro dela, e também além de suas quatro paredes, ela
oferece um espaço onde as pessoas podem experimentar sentimentos de segurança.
As pessoas são aceitas como elas são, encontram simpatia e solidariedade na
igreja, porque os outros também experimentaram as mesmas dificuldades e
discriminações. Elas descobrem que todos se sentiram sozinhos no começo. A
igreja é um lugar para compreender e ser compreendido. As pessoas são
confiáveis. Um deseja ser o guardião do outro. Esse tipo de relação permite o
crescimento e o florescimento humano. Nesse espaço específico de significados,
o que as pessoas dizem ou fazem exemplifica como a religião interage com as
identidades imigrantes. Enquanto isso, suas percepções de confiança e
credibilidade reformulam o caráter do espaço religioso. Esses imigrantes
chineses ajudam a religião a encontrar novos padrões de expressões como abraçar
as diferenças, cultivar a reciprocidade, e lutar por justiça contra as
correntes de hostilidade e discriminação da sociedade mais ampla.
Em The Location
of Culture (2004), Homi Bhabha observou que o espaço contestado é "o
momento de transição onde espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas
de diferença e identidade, passado e presente, dentro e fora, inclusão e
exclusão. Pois existe uma sensação de desorientação, uma perturbação de direção".
Em uma entrevista com Jonathan Ruthford, Bhabha descreveu " o 'terceiro espaço'
que permite que outras posições surjam. Esse terceiro espaço desloca as
histórias que o constitui e estabelece novas estruturas de autoridade, novas
iniciativas políticas, que são inadequadamente compreendidas por meio da
sabedoria recebida". Nesse sentido, o
espaço religioso é uma forma de resistência que rejeita a hegemonia e o
preconceito sistêmico. Ele revela, questiona, e envergonha as retóricas e
narrativas públicas que buscam desumanizar os imigrantes.
Ignorar as declarações problemáticas está longe de
ser o suficiente. O problema não é a falta de informação que leva a uma opinião
imprecisa do outro. Geralmente é mais fácil diferenciar indivíduos e
comunidades do que falar bem deles. Edward Said (1978) afirmou que fazer uma
declaração sobre o outro tem a ver com poder e autoridade. O discurso da
diferença, em termos de cor de pele, etnia, língua, cultura e afins, funções
para subjugar. Falar é basicamente uma questão de seleção. Não existe coincidência
quando determinadas perspectivas prevalecem e outras são silenciadas.
Ao contrário da prática de classificação, construir
um espaço religioso representa um comprometimento radical com o bem-estar das
comunidades imigrantes. Estigmatizar os imigrantes só gera mal-entendido e
conflitos em níveis nacional e global. Discursos de intolerância nunca ajudam
as pessoas a enxergar familiaridade, apenas divisão. O mundo precisa de cura. A
religião prevê um modo mais responsável de se relacionar com o outro. Nesse espaço, a
credibilidade é o elemento chave. Ser confiável revitaliza o modo
como nos comunicamos com o outro. Cada ser humano tem seu valor intrínseco, e deve
ser tratado com respeito. Não se deve falar mal de outras comunidades ou depreciar
o outro, mas honrar o compromisso feito com ele. Cada palavra vale. Quando
nossas palavras constroem um outro, reconhecendo nele seus talentos e dons, elas
carregam um peso.
Como uma virtude importante, a confiança abre novos
caminhos para ser humano e cultivar a personalidade. A honestidade e a sinceridade
que acompanham a confiança carregam intenções verdadeiras. Aprende-se a conter o
julgamento. As pessoas conseguem vivenciar os sentimentos do outro e passam a
se importar com o sofrimento alheio. Dar espaço ao outro e ouvir sua dor pode
fortalecer as relações humanas. Os indivíduos e as comunidades que apreciam a confiança
sempre colocam o outro antes de si mesmos. Assim, o espaço religioso
proporciona um caminho para a solidariedade humana. Solidariedade não é resolver
os problemas do outro. Em Solidarity
Ethics, Rebecca Todd Peters (2014) argumenta que a solidariedade vai além
de mostrar compaixão ao sofrimento, buscando justiça e igualdade. As
comunidades religiosas que defendem a dignidade humana nunca se cansam de
buscar justiça e, portanto, expressam implacavelmente as preocupações das
pessoas.
Em um mundo altamente polarizado e divisível, uma única
palavra pode ferir ou curar indivíduos. O espaço religioso oferece uma
perspectiva para abraçar o quebrantamento que permite que as comunidades
marginalizadas estabeleçam sua agência e subjetividade. As interações entre as
comunidades imigrantes chinesas também demonstram como a confiança e a
credibilidade podem recuperar a inviolabilidade da linguagem e tornar as
relações sagradas novamente. Honrar o comprometimento com a bondade e com o
outro é um passo necessário em direção à solidariedade humana. Como Ursula K.Le
Guin (2004) pode dizer, "Palavras são eventos, elas fazem coisas, mudam coisas."